No dito o mudo restará

"Espelho falso" - René Magritte (1928)

Na edição de número 28 da Revista Piauí, tem, como complemento, poesias magníficas de Ferreira Gullar, que desafia sua praxis, a sua obra, a todo instante em que realiza toda a primavera de sua criação. A ação como um resultado do acontecer respira na sua delimitação de arte, transborda em sua linguagem. O não-dito, aquilo que repousa o mundo, sempre estará tudo aquilo que faz brotar o dito. Assim é o jogo do oculto e de linguagem que se permeia. O valor do homem contemporâneo pelo dito empurra-o para uma atitude retrocessiva da análise das fôrmas e das formas, do determinismo artístico, da escravidão do binômio “sujeito-objeto”. O rótulo, o nome, sempre tudo aquilo que reuni em uma só categoria foge da primazia do que seja “palavra”. Palavra ou parábola vem da raiz grega para – ballein (ao mesmo jogar, lançar). Atento a raiz ballein perceberemos uma tradução ativa (jogar, lançar) em que o verbo se conjuga no infinitivo (ou seja tudo aquilo que não há finitude) e não sobre a tradução do particípio (em que o verbo aspectualiza uma atitude de repouso – por exemplo: parado, jogado, lançado). A palavra é sempre aquela que se escapa do dizer e que vai além do dito e que escoa sobre a boca que não-diz. Essa atitude de não dizer se reflete em tudo aquilo que permanece dito, pois o que é dito já é uma resultante final do não dizer. Essa complementariedade reconsidera não uma oposição, mas uma fórmula permanente de continuidade. O trânsito da palavra está na poesia “Desordem” que evidência um trecho assim dito: “é próprio da palavra / não dizer / ou / melhor dizendo / só dizer” ( versos 47-51). Existe, ainda, uma distância entre a ordem sintática e o não-dito. A desordem se dá ao ponto que a sintaxe se desarticula e não explica, pela palavra, o que não-diz. Não exprime o sabor e sim a normatividade em que se engendra toda engrenagem em plena deterioração. O dentro está tudo aquilo que o fora não explica, mas pertence ao dentro em plena dobra. Nessa unificação do dentro se transforma a poesia, a palavra que se deixa exprimir e que não articula com o que já está dito e fora. Assim, essa mudeza em que se encontra o dentro é a transfiguração do homem em busca do revelar-se. Enquanto a physis adora velar-se, o homem transforma em ser em busca da resposta, em quanto que a própria palavra, muda em questão, já é a resposta.

DENTRO

               “Um é um e não dois”
               Parmênides, de Platão

estamos dentro de um dentro
         que não tem fora

e não tem fora porque
          o dentro é tudo que há

e por ser tudo
é o todo:
tem tudo dentro de si

até mesmo o fora se,
             por hipótese
se admitir existir

(Ferreira Gullar)