Arlequinesco, brutal: verdadeiro

Fernando Anitelli e o seu "O teatro Mágico"

Eu estava numa fila qualquer (talvez a do bandejão) quando eu vi a minha amiga Lara Espíndola ouvir o seu mp3 e eu perguntei o que ela estava ouvindo. Ela me respondeu: “O teatro mágico”. Nossa, que lindo. E eu ouvi uma música, da qual eu não me lembro eu acho muito linda. Mais tarde, eu baixei o cd deles e ouvi. Eu juro que é uma experiência completamente nova no que se diz respeito a música brasileira. Uma qualidade poética jamais vista e com sabor sonoro bem denso. Mas, foi no meio do cd que eu tive a experiência mais radical: “metamorfoses ou os insetos interiores”. Eu vi, a partir daí, um grande poeta da atualidade: Fernando Anitelli. Gostaria de repartir com vocês essa experiência. Bom, como todo poeta, é claro que ele desperta emoções diversas como ódio, repulsa ou admiração. Portanto, para entender o que eu digo, bastar ouvir o que ele diz. A poesia é lida de uma forma tão imagética, que transmite uma enxurrada de imagens em cascatas. Saliento, também, para sua ludicidade com as palavras. As brincadeira, o arlequinesco, o burlesco leva a uma ternura tão negra e ao mesmo tempo marcante. A fonética estudaria piamente esta poesia tratando de reparar algumas sonoridades que pertubam ou se encaixam perfeitamente na poesia.

 
A Metamorfose ou Os Insetos Interiores ou O Processo
 
Notas de um observador:
Existem milhões de insetos almáticos.
Alguns rastejam, outros poucos correm.
A maioria prefere não se mexer.
Grandes e pequenos.
Redondos e triangulares,
de qualquer forma são todos quadrados.
Ovários, oriundos de variadas raízes radicais.
Ramificações da célula rainha.
Desprovidos de asas,
não voam nem nadam.
Possuem vida, mas não sabem.
Duvidam do corpo,
queimam seus filmes e suas floras.
Para eles, tudo é capaz de ser impossível.
Alimentam-se de nós, nossa paz e ciência.
Regurgitam assuntos e sintomas.
Avoam e bebericam sobre as fezes.
Descansam sobre a carniça,
repousam-se no lodo,
lactobacilos vomitados
sonhando espermatozóides que não são.
Assim são os insetos interiores.
A futilidade encarrega-se de maestra-los.
São inóspitos, nocivos, poluentes.
Abusam da própria miséria intelectual,
das mazelas vizinhas,
do câncer e da raiva alheia.
O veneno se refugia no espelho do armário.
Antes do sono,
o beijo de boa noite.
Antes da insônia, a benção.
Arriscam a partilha do tecido que nunca se dissipa.
A família.
São soníferos, chagas sem curas.
Não reproduzem, são inférteis, infiéis, in(f)vertebrados.
Arrancam as cabeças de suas fêmeas,
Cortam os troncos,
Urinam nos rios e nas somas dos desagravos, greves e desapegos.
Esquecem-se de si.
Pontuam-se
A cria que se crie, a dona que se dane.
Os insetos interiores proliferam-se assim:
Na morte e na merda.
Seus sintomas?
Um calor gélido e ansiado na boca do estômago.
Uma sensação de: o que é mesmo que se passa?
Um certo estado de humilhação conformada o que parece bem vindo e quisto.
É mais fácil aturar a tristeza generalizada
Que romper com as correntes de preguiça e mal dizer.
Silenciam-se no holocausto da subserviência
O organismo não se anima mais.
E assim, animais ou menos assim,
Descompromissados com o próprio rumo.
Desprovidos de caráter e coragem,
Desatentos ao próprio tesouro…caem.
Desacordam todos os dias,não mensuram suas perdas e imposturas.
Não almejam,
não alma,
já não mais amor.
Assim são os insetos interiores.
(Fernando Anitelli)